Quando morre um artista como Frank Stella, quem escreve os obituários nos jornais, ou que neles é citado, nunca deixa de enumerar os movimentos que integrou, os que rejeitou e, sobretudo, aqueles que, sem ele, não teriam nascido ou seriam, pelo menos, outra coisa.
Não é por isso insólito que a abrir muitos dos textos que hoje dão conta da morte deste importantíssimo artista norte-americano do século XX venham, como no caso do diário O jornal New York Timesreferências ao seu afastamento do expressionismo abstracto tão dominador no meio em que se fez pintor e escultor e ao seu mergulho num “minimalismo legal” e numa exploração aparentemente ilimitada da cor, uma combinação que deu origem a obras que se tornaram familiares no património visual, mesmo que quem para elas olha não consiga identificar de imediato o seu autor.
Frank Stella (1936-2024) morreu este sábado, aos 87 anos, na sua casa em Manhattan. A notícia foi avançada à agência de notícias Associated Press (AP) pelo galerista Jeffrey Deitch e confirmada ao Tempos pela mulher do artista, Harriet McGurk, que disse ainda que Stella morrera com um linfoma.
Nascido no Massachusetts, mais tarde aluno na Universidade de Princeton, Frank Stella mudou-se para Nova Iorque no final dos anos 50 e encontrou uma cidade em ebulição, com muitos dos seus artistas mais aclamados a dedicarem-se, com estrondo e sucesso, ao expressionismo abstracto.
O pintor, então com 23 anos, optou por explorar o minimalismo e a receita de cor e contenção dos seus Pinturas Negras – pinturas em que riscas pretas delineadas com precisão surgem separadas por linhas finas de tela em branco, criando composições que iludem, desafiam e atraem – chamou a atenção da crítica e criou as condições ideais para que fosse considerado um dos nomes mais influentes da década seguinte, tendo no seu círculo artistas como Dan Flavin, Sol LeWitt e Carl Andre, e sendo referência para arquitectos como Frank Gehry e Daniel Libeskind, lembra o jornal britânico O guardiãonum artigo de 2015 em que antecipa a terceira retrospectiva de Stella em Nova Iorque, no Whitney Museum, com uma conversa e uma visita ao muito desarrumado mas fecundo atelier do artista em Greenwich Village.
“O que se vê é o que se vê”dizia Frank Stella, referindo-se a esses primeiros Pinturas Negras que encantaram o meio nova-iorquino e ao seu trabalho em geral, uma frase que acabou por se colar ao movimento minimalista, como uma espécie de mote oficioso. “Era suposto ser bastante simples”, acrescentaria, sublinhando o contraste entre o que fazia – para ele uma pintura era apenas “uma superfície plana coberta de tinta, nada mais” – e a carga emotiva, dramática, do expressionismo abstracto do pós-Segunda Guerra, que tem entre os seus expoentes máximos o envolvente, e exigente, Mark Rothko, outro dos grandes exploradores da cor.
Na década de 60, Frank Stella não abandonou o rigor das linhas direitas, mas começou a dedicar-se também às curvas, não respeitando, sequer, as formas tradicionais da tela. Ao uso do preto sobrepuseram-se, então, as cores vivas que, por exemplo, tomam conta da sua série Protatorcom obras de grandes dimensões como Hagamatana IIde 1967 (305,4 x 458 x 7,5 cm), pintura que pertence à colecção Berardo e hoje integra o acervo do Museu de Arte Contemporânea/Centro Cultural de Belém (MAC/CCB), em Lisboa.
Em constante evolução, avesso a qualquer impulso de “interpretação” das suas pinturas e à repetição de fórmulas, o artista introduziria o elemento tridimensional nas suas obras na década seguinte, recorrendo a materiais de natureza diversa. Pintura e escultura combinadas para criar novos territórios de expressão, experiência, aliás, comum a outros artistas.
Foi precisamente essa sua transgressão de fronteiras que o Presidente norte-americano Barack Obama salientou quando o condecorou com a medalha nacional das artes em 2009, elogiando as suas imensas “experiências visuais sofisticadas”.
É esse lado de experimentador infatigável que é agora sublinhado quando se trata de passar em revista a sua carreira de mais de 65 anos. “Sempre à procura de uma nova linguagem”, escreve-se no site especializado Artnet, referência no mercado da arte, Stella “enfureceu alguns sectores do mundo da arte”, mas nunca deixou que isso o demovesse de continuar a fazer diferente, novo.