Monólogos da vida conjugal – Jornal Txopela

Poderá parecer estranho que comecemos este texto por associar o nome de Wiseman ao filme de ficção. De facto, quando se evoca o cineasta americano, evoca-se por norma o documentarista que, nas últimas seis décadas, foi metodicamente auscultando a vida de um sem-número de instituições: de liceus (“High School”, de 1968) a câmaras (“City Hall”, de 2020), passando por museus (“National Gallery”, de 2014) e tribunais (“Juvenile Court”, de 1973). Ora, mesmo desconsiderando a recusa do próprio Wiseman em assumir-se como um documentarista (“Todos os meus documentários são ficções”, voltou a frisar na entrevista que nos deu), pode afirmar-se que a ficção está longe de ser um território inexplorado na obra do cineasta. Com efeito, antes daquela que agora se estreia por cá — “Um Casal” —, houve “Seraphita’s Diary” (1982) e “La Dernière Lettre” (2002). Se as referimos, é porque elas definem o ‘modelo minimalista’ que é perfilhado pelo novo filme de Wiseman, onde, uma vez mais, temos apenas uma atriz (Nathalie Boutefeu), um decoração (uma casa e o seu jardim) e uma série de monólogos baseados em textos íntimos. No caso: em excertos dos diários e da correspondência de Sofia Tolstói (1844-1919) que, de um modo ou de outro, contribuem para a autópsia do seu atribulado casamento com o escritor russo de quem herdou o apelido (uma personagem que, aqui, ficará sempre confinada ao fora de campo, como uma espécie de interlocutor fantasmático de uma mulher que vai justamente fazendo a denúncia da sua ausência). Na conversa que connosco teve, Wiseman disse-nos que, na génese deste projeto, esteve o simples desejo de continuar a trabalhar durante a pandemia: “No pico da covid, dei por mim a pensar que, embora me apetecesse continuar a filmar, não seria nada prudente para um tipo com a minha idade [92 anos, à época] fazer um documentário em que estaria rodeado de centenas de pessoas. Foi então que, em conversa com a Nathalie — com quem eu já tinha trabalhado antes, no teatro —, surgiu a ideia de fazer um filme em monólogo sobre a relação do casal Tolstói, centrado na figura e nos textos de Sofia.”

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